De norte a sul os campeonatos estaduais chegam a seus momentos decisivos.
Jogos eliminatórios, semi-finais, finais, clássicos, tensão crescente por toda parte e, naturalmente, surgem as primeiras vítimas, como Celso Roth, demitido do Grêmio depois da derrota para o Internacional.
Tirando os acidentes de percurso, prevalece a velha e rotineira lógica, e quem se sabia que chegaria, chegou. Por toda parte, jogos emocionantes, estádios lotados ou perto disso, audiências altas para as emissoras de televisão.
Os estaduais são um verdadeiro sucesso, dirá qualquer observador desse cenário.
São mesmo?
E, caso sejam, a que custo?
Ou serão um sucesso porque em suas retas finais acontecem alguns clássicos?
Já gostei do estadual de São Paulo, afinal, fui criado com ele. Meu primeiro jogo sozinho em um estádio foi num Majestoso no longínquo Ano da Graça de 1967, quando o regime militar ainda usava calças curtas, mudadas para compridas em dezembro do ano seguinte com o famigerado AI-5.
Desde o final dos anos noventa, mas com mais intensidade a partir de 2003, já não vejo graça e mesmo razão de ser nesses torneios. Em anos mais recentes minha visão mudou bastante e vai além de simples mudanças em durações de campeonatos. Entendo que o futebol brasileiro precisa de uma reformulação muito mais ampla que simplesmente dar mais domingos para este e mais quartas para aqueles.
Meu pensamento está alicerçado no que entendo ser o interesse dos grandes clubes brasileiros e suas grandes torcidas. Claro, muitos contestarão isso, em especial essa parte sobre os interesses das torcidas, mas é o que eu penso. Ainda hoje, muitos torcedores apegam-se de forma extremada a esses torneios, mas, sinceramente, manter essa visão é manter-se apegado ao passado.
Nesse 2009, as atividades começaram no dia 7 de janeiro. O calendário, cândida e docemente, designa o período até 20 do mesmo mês como… “pré-temporada”. Nada menos que 14 dias para a pré-temporada de times de futebol profissional com disputas em alto nível de performance e exigências físicas e psicológicas extremadas.
“Que beleza!”
Para definir tamanho besteirol só mesmo apelando para a irônica e marcante expressão do Milton Leite.
No primeiro semestre, além desse simulacro de pré-temporada, temos ainda:
Estaduais de 21 de janeiro a 3 de maio
Copa Libertadores de 28 de janeiro a 8 de julho
Copa do Brasil de 18 de fevereiro a 1º de julho
Brasileiros das Séries A (9 de maio), B (8 de maio) e C (24 de maio; a D começará somente em 5 de julho)
Seleção Brasileira, para ajudar ainda mais a lotar o semestre
Já no segundo semestre temos somente os Brasileiros A, B, C e D, os jogos da Seleção e a Copa Sul Americana.
O ideal, na minha visão, e primeiro passo, é mudar nosso calendário e adaptá-lo ao europeu. Desconsiderando este ponto, por enquanto, uma simples olhada ao calendário atual mostra seu desequilíbrio, com o primeiro semestre sobrecarregado e o segundo meio às “moscas”.
Numa pincelada rápida, o mais correto seria, antes de qualquer coisa, que as copas continentais ocorressem simultaneamente, tal como ocorre na Europa com a Champions League e a Copa da UEFA. Em que pesem eventuais protestos, a Copa Sul Americana é uma competição secundária comparada à Libertadores, o que fica evidenciado com mais clareza pela seleção dos participantes e pela postura da maioria dos participantes brasileiros. No ano passado, sem chances em outras competições, o Internacional dedicou-se a ela de corpo e alma e foi campeão. Talvez essa conquista mude um pouco a maneira dos demais clubes enxergarem a Sul Americana, mas entre ela e o Brasileiro tenho certeza que o Brasileiro será prioridade. O grande complicador para mudar o período de realização dessa copa é a posição da AFA, que praticamente eternizou Boca e River nas duas competições continentais.
No caso das duas copas ocorrerem simultaneamente, a Copa do Brasil deveria ser disputada no outro semestre, naturalmente que com a presença de todos os grandes clubes brasileiros, e não como ocorre hoje, em que os melhores clubes brasileiros de cada temporada são sumariamente excluídos de sua disputa e, mais grave e injusto, alijados da disputa por uma das vagas brasileiras na Copa Libertadores.
O Campeonato Brasileiro precisa de 38 datas e cobre o período de maio ao início de dezembro. É o bastante, aparentemente. Mas só aparentemente, pois na prática vemos uma fase do campeonato em que os jogos são acumulados seguidamente às quartas e domingos. É o período que costuma, como dizem os americanos, separar os meninos dos homens. Ou, na prática, fecha o funil da corrida ao título. Sobrepujar essa fase com o mínimo de perdas - já que nem cabe dizer o máximo de ganhos - implica em planejamento cuidadoso e excelente elenco. A esse respeito, é conveniente conhecer o que pensam Muricy e Luxemburgo.
Ora, dirão e dizem muitos, todo mundo no mundo inteiro joga às quartas e domingos.
Sim, é verdade, na Europa isso ocorre com as disputas das ligas nacionais e das copas continentais, tal como aqui, durante a Libertadores. Dois pontos, porém, precisam ser levados em consideração:
1 - Distâncias: o Brasil é o que se chama de país-continente, com oito e meio milhões de quilômetros quadrados, enquanto a Europa Ocidental, compreendendo Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Suécia, Noruega e Inglaterra, além das pequenas nações-estado, tem uma área inferior a 4 milhões de quilômetros quadrados; ora, isso significa, na prática, deslocamentos muito curtos para os times jogarem fora de suas casas, ao contrário dos nossos; normalmente, quando joga fora de sua casa pelo Brasileiro, o visitante simplesmente gasta um dia inteiro voltando para casa, sem treinar, portanto; no dia seguinte, uma sexta-feira, geralmente, muitas vezes já o sábado, para quem jogou na noite de quinta, ou dá para um treino rápido, mais para desintoxicação, ou nem isso quando o jogo é no dia seguinte. Como preparar o time? Como treinar alternativas, necessárias para fazer frente às contusões e suspensões? Simplesmente não dá.
2 - Elencos e Prioridades: os times europeus, em especial os maiores, dispõem de grandes elencos, que possibilitam aos treinadores diferentes possibilidades na escalação; com isso, é fácil priorizar a copa continental e ao mesmo tempo não perder o passo no campeonato de sua liga; no Brasil isso já não é possível, ninguém tem tanto elenco assim; o comum é priorizar a Libertadores, por exemplo, deixando o Brasileiro em segundo plano. Postura que pode custar muito caro a quem a executa, como vimos em 2008 com o Fluminense.
Há um terceiro ponto a ser considerado: o patético, trágico, cômico - se não fosse triste - estado do transporte aéreo brasileiro, comumente chamado como “caos aéreo“. Essa obra-prima do desenvolvimento tupiniquim não existe na Europa e qualquer um que viaja sabe muito bem o quanto pode demorar um simples voo São Paulo/Belo Horizonte. O que seria uma hora de viagem em condições normais, acrescida de mais duas horas entre deslocamento até o aeroporte, despacho de bagagem e espera para embarque, transforma-se frequentemente num purgatório de cinco a seis horas ou mais. Coloque-se aí mais uma hora ou mais para liberação de bagagem e traslado e pronto, acabou o dia. Imagine-se, então, um deslocamento Porto Alegre/Recife, ou Salvador/Curitiba. Isso é Brasil, a bem dizer às vésperas da Copa 2014.
Não há como evitar as viagens, naturalmente, e os treinadores não podem priorizar um jogo em relação ao outro, poupando jogadores, pois todos valem 3 pontos, 3 preciosos pontos na tabela de classificação, já afunilando em cima e, é bom lembrar, também embaixo. Consequentemente, vemos os times se esfalfarem em campo, as contusões aumentarem, as suspensões também, pois a necessidade de ganhar ou reverter um resultado associada ao cansaço acumulado, leva os jogadores a abusarem de jogadas passíveis de cartões.
Daí a importância desse período para o planejamento e para as campanhas de cada clube. Daí, também, as reclamações mal humoradas dos treinadores, muitas vezes criticados injustamente.
O melhor seria apenas um jogo por semana, com poucas exceções.
Mas, cadê o tempo para isso?
Sim, cadê o tempo?
Os estaduais comeram o tempo. A engenharia futebolística das cartolagens federativas conseguiu a proeza de reservar 23 datas para essas competições. Contra 38 do Brasileiro da Série A e também da Série B.
Qual é a importância de um título estadual?
Quanto rende para um clube de ponta sua participação num estadual e sua participação no Brasileiro?
Peguem, por exemplo, os clubes do Trio de Ferro paulistano. Os três juntos receberiam em 2009 pouco menos de 93 milhões de reais por suas cotas de TV no Brasileiro. Vale dizer que esse valor inclui a parte do PPV correspondente ao estadual, mas que é pequena, não chega a alterar de forma significativa a ordem de grandeza dos valores.
Ora, esses mesmos clubes receberam 22,5 milhões de reais por suas participações no Paulista. Na compra dos pacotes PPV, o estadual é mais um “brinde” ao comprador do Brasileiro, ele vai a reboque, não puxa a fila.
Na prática, temos o seguinte resultado: para cada data do campeonato estadual de São Paulo, cada um dos times paulistanos recebe 330 mil reais.
Cada um desses três clubes recebe 820 mil reais para cada data do BR.
Um jogo do estadual, portanto, vale 40% de um jogo do Brasileiro e ocupa um tempo desproporcionalmente grande.
Sem contar que as arrecadações médias do BR são muito superiores às médias do estadual.
Dos males, o menor
A esse mal financeiro, que nem é o mais significativo, acrescento outros:
A falta de datas impede nossos grandes clubes de jogarem no exterior; nossos times são paroquiais, mal e mal saem dos limites da América do Sul mais o México; no mundo globalizado, não passam de times de bairros.
Nossas grandes marcas potenciais são ilustres desconhecidas em todo o mundo; claro, há uma exceção aqui, outra acolá e no frigir dos ovos… nossas grandes marcas potenciais são inexistentes em termos globais; e por favor, são-paulinos e colorados, não venham com títulos mundiais; apesar deles, mesmo esses times continuam desconhecidos ou, vá lá, com extrema boa vontade, são pouco conhecidos.
Nossos grandes clubes têm mercado em dezenas de cidades brasileiras que estão fora dos campeonatos importantes; um bom exemplo foi o recente jogo do Flamengo em Belém, ou jogos do Palmeiras e Corinthians em Ribeirão Preto e Presidente Prudente; não é só o mercado internacional, o mercado nacional é grande e ávido por jogos de grandes clubes. Sem datas, não viajam e não faturam. Esses jogos amistosos, mesmo que em torneios de tiro curto, não tem nem sombra do grau de exigência física e psicológica de um estadual, portanto, podem sim ser parte da pré-temporada, sobre o que falarei mais abaixo.
Os estaduais são fontes de crises e instabilidade que acabam por prejudicar as equipes nas competições mais importantes; embora nada valham em caso de vitória, são extremamente valiosos em caso de derrota, essa é a verdade.
Por último, mas não menos importante, volto a bater na tecla da pré-temporada; equipes e atletas de alto nível de solicitação de performance, precisam de pré-temporada real, bem planejada e melhor ainda executada (o Real Madrid e o Barça que o digam, com suas viagens malucas de há dois ou três anos); pré-temporada não é luxo, é necessidade; e o discurso de que o estadual serve como pré-temporada é vazio e falso cientificamente; o estadual tem exigências que atropelam e exigem desempenhos fora de hora e lugar.
A quem servem os estaduais?
Aos times pequenos?
Mesmo?
Todos têm certeza disso?
Não, aparentemente servem aos pequenos, mas na prática servem mais a burocracias e grupos políticos encastelados no poder político e financeiro que federações proporcionam.
Federações assemelham-se mais a feudos, algumas a capitanias hereditárias - e a própria confederação, na minha opinião, tem essa cara. Servem a si próprias, jamais ao futebol brasileiro, porque o futebol, aqui, na Inglaterra, na Argentina, na Itália, Espanha, Portugal, Noruega, Japão, enfim, em toda parte, é clube, não é time de federação.
Nos clubes vive e se desenvolve o futebol.
E nossos clubes estão sendo penalizados, duramente.
Que fazer, então?
Acabar com os estaduais e pôr o que no lugar?
E os clubes pequenos? Eles são importantes como formadores de atletas, como celeiros (hummmmmmm…) de atletas, eles precisam sobreviver.
Sim, concordo plenamente com todas essas colocações, mesmo que meio exageradas, como essa história de “celeiros”.
Os grandes deveriam destinar uma parte do que recebem para distribuição aos pequenos, ao mesmo tempo que as federações, sanguessugas exemplares, deveriam parar de receber todo o dinheiro que recebem que seria, então, também dirigido para as divisões menores do futebol brasileiro.
Para isso, precisamos de uma Série C ampliada, maior que a atual e uma Série D muito, muito maior que a atual. Eventualmente, uma 5ª divisão - a Série E - também seria necessária.
O fundamental é que esses clubes pudessem funcionar o ano inteiro. Hoje, a maioria esmagadora dos times brasileiros ditos de futebol profissional, tem vida limitada a cinco, seis meses por ano.
Ora, um time que tem jogos durante dez meses, praticamente, vai precisar formar um elenco. Fazer isso com ex-jogadores e assemelhados não dá, não por tanto tempo. A saída lógica, portanto, seria dar trabalho a jovens que teriam, nesse caso, tempo para mostrar seu futebol. Hoje, isso simplesmente não acontece.
Num país continental como esse, os custos de deslocamento são altíssimos, principalmente para clubes pequenos, com receitas baixíssimas. Logo, além dos deslocamentos maiores serem cobertos pelo dinheiro dos grandes - calma, os habituais 5% de taxas federativas e confederativas e mais uns 2 ou 3% do dinheiro da TV, já pagaria tudo isso - o ideal é que esses campeonatos fossem a somatória de grandes competições regionalizadas, entrando numa fase final, decisiva e de caráter nacional somente nos 30 dias finais da temporada. Naturalmente, as Séries A e B continuariam tal como estão.
É isso, em boa parte, o que penso a respeito dos campeonatos estaduais.
Entendo que hoje são anacrônicos e, além disso, ocupam um tempo desproporcional em relação à importância que eles têm em especial para os grandes clubes.
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