Falta de regulamentação do mercado de BETs e situação econômica de atletas são alguns motivos para o crescimento de manipulação de resultados no esporte
No futebol brasileiro, dois aspectos positivos marcam a modalidade. O primeiro deles é o legado construído pelas cinco conquistas da Copa do Mundo. O segundo, muito atrelado a esse primeiro fator, é que o Brasil é um verdadeiro polo formador de atletas, muitos deles transferidos ao futebol internacional, especialmente para o mercado europeu. Porém, um ranking que o Brasil entrou na liderança recentemente – e que merece total alerta – é o de incidência de jogos suspeitos de manipulação de resultados.
Um relatório produzido pela Sportrader, uma consultoria suíça, apontou que, de 9 mil partidas monitoradas no futebol brasileiro em 2023, em 109 delas, foram identificadas suspeitas de manipulação de resultados – a porcentagem, portanto, corresponde a 1,21%. Na sequência, países como a República Tcheca, Filipinas, Rússia e Grécia figuram nas estatísticas. A metodologia da pesquisa se baseia em uma ferramenta de IA que indica jogos em que há apostas esportivas relacionadas que fogem ao padrão do esporte.
De acordo com Marcel Belfiore, sócio do Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, a liderança do Brasil neste ranking se deve a dois pontos: a então falta de uma regulamentação do mercado de apostas de quota fixa (as chamadas BETs), antes do Governo Federal ter sancionado a Lei 14.790 no fim de 2023, e até mesmo a situação econômica de alguns atletas, que nem sempre representam a elite do futebol nacional.
“O Brasil legalizou as apostas por quota fixa em eventos esportivos reais no final de 2018 e, por pouco mais de quatro anos, houve um fomento e um aumento significativo dessa atividade de forma livre e ilimitada, sem que houvesse qualquer regulamentação do setor”, apontou o advogado. Ele explica que essa lacuna acabou criando um cenário sem a participação adequada do Estado na fiscalização e controle de irregularidades, que eram relegados apenas às próprias operadoras de apostas (“casas de BETs”), igualmente vítimas dos manipuladores.
“Além disso, a sensação de impunidade, aliada à situação econômica de muitos atletas de pouca expressão, contribuíram para estimular a atividade de manipuladores no Brasil, que se aproveitam do extenso e variado cardápio esportivo nacional para realizar apostas em eventos cujo resultado já está comprometido”, completou.
Para Belfiore, a principal medida para reduzir esse risco já vem sendo tomada desde o início de 2023, que é a regulamentação do setor. Com ela, o Estado arrecada e, consequentemente, passa a ter recursos para aparelhar os órgãos de controle e fiscalização. “Além disso, passa-se a exigir uma série de medidas de todos os envolvidos no mercado, também no que se refere ao combate à manipulação”, destacou.
Entre as medidas, as operadoras autorizadas a operarem no Brasil passam a ter que cumprir uma série de medidas para a verificação de apostas suspeitas e voltadas à identificação de todos os seus apostadores; por sua vez, os bancos oficiais passam a controlar o fluxo financeiro, permitindo ao Banco Central e órgãos de controle fiscalizar as operações; as entidades esportivas passam a ter que cumprir regras mais rígidas visando a proteção dos eventos esportivos e a educação dos atletas; a veiculação de propagandas e publicidade da atividade passa a ser melhor controlada, evitando-se a banalização da indústria e desestimulando ilegalidades.
Emblemática em 2023, a investigação do MP-GO Penalidade Máxima deflagrou um esquema de manipulação de partidas de futebol para ganho ilícito em sites de apostas esportivas. Jogadores, por sua vez, eram aliciados para cometer pênaltis ou tomar cartões intencionalmente.
Na visão do especialista em Direito Desportivo, a atuação da Polícia e do Ministério Público tem um papel fundamental no combate ao crime, que é exatamente como a lei define o ato de fraudar o resultado de um jogo mediante oferecimento ou recebimento de vantagem financeira, mas fez a ressalva de que essas iniciativas não podem ser isoladas. “Deve ser combinada com a atuação das entidades organizadoras de eventos esportivos e seus respectivos órgãos de justiça desportiva, para que a punição alcance também aos atletas envolvidos, que podem ser banidos de suas atividades profissionais”, concluiu Belfiore.
Fonte:
Marcel Belfiore – sócio do Ambiel Advogados, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Esportivo. Foi professor e palestrante da disciplina de Direito Desportivo do curso de Marketing Esportivo da ESPM. Foi auditor do Tribunal Desportivo Paralímpico, ligado ao Comitê Paralímpico Brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário